A situação que estamos vivendo hoje na região Sudeste do país, já batizada pela população e pela imprensa como “crise hídrica”, infelizmente torna oportuno que se recupere um artigo crítico, do estudioso e especialista em questões ambientais Eduardo Athayde1, pelo jornal A Tarde, de Salvador, que trazia exatamente o título acima. Hoje, Athayde lidera um esforço conjunto com centros de referência de grandes rios no exterior, especialmente com a Califórnia, para resgatar o São Francisco. Ora, a água é, todos sabem disso sobejamente, o insumo natural (do Universo) mais fundamental para o surgimento das formas de vida que conhecemos. É mesmo muito pouco provável que haja alguma outra opção de vida que não a baseada na água: H2O. Ela propiciou o surgimento da vida e propicia sua manutenção e continuidade. Somos dela dependentes, eternamente dependentes. É infraestrutura ecossistêmica imprescindível e define um espaço-tempo da natureza: a vida se dá nos espaços onde ela se oferece e é posterior a ela. Faltar água, em quantidade e qualidade, e a senha maléfica para que falte vida. Esse binômio: quantidade & qualidade também precisa ser visto como imperativo e indissociável. Por exemplo, água em quantidade e quimicamente contaminada não serve para a vida. A água nos ecossistemas precisa estar ecotoxicologicamente correta… Por isso então, e muito mais, aprendamos com o Eduardo Athayde, cuja íntegra do artigo mencionado apresenta-se a seguir.
“A nascente do rio São Francisco, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, região centro-oeste do Estado de Minas Gerais, secou. Do outro lado do mundo, o rio Amarelo, berço da civilização chinesa, após fluir ininterruptamente por milhares de anos, tem secado por completo em anos alternados, deixando de chegar ao mar. Em todo o mundo poços estão secando, cursos d”água estão se exaurindo e rios e lagos desaparecendo. Mais da metade da população mundial vive em países em torno de rios e sobre lençóis freáticos que estão diminuindo. Para ser global o problema precisa antes ganhar escala local – é o que vem acontecendo com os recursos hídricos.
A bacia hidrográfica do Velho Chico, como é carinhosamente chamado o São Francisco, conhecido também como rio da integração nacional, estende-se a 504 municípios em sete estados da federação. Bahia, com a maior parte (48,2%), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%), Alagoas (2,2%), Sergipe (1,2%), Goiás (0,5%), e Distrito Federal (0,2%). São 639.219 km de área de drenagem e vazão média de 2.850 m³/s. Esta bacia, tão importante pelo volume de água levado à região semiárida do país, também sofre com a mudança climática que – para ser global – é antes local.
Os efeitos das mudanças climáticas causam escassez hídrica e impactos econômicos. O aumento previsto de 2,5° C da temperatura do planeta pode representar um custo de 5% do Produto Interno Bruto, estima a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal). No último domingo (21/09), milhares de pessoas saíram pelas ruas das grandes capitais do mundo, como Nova Iorque, Paris, Londres, Nova Délhi, Berlim, Bogotá, Melbourne, Vancouver e Rio de Janeiro, entre outras, para pedir avanços nas negociações da Convenção do Clima, da ONU. E o que tem a nascente seca do Velho Chico a ver com isto?
A escassez hídrica é prenuncio de quedas em cadeias produtivas. A regra prática entre ecologistas que acompanham a produção vegetal é que, para cada um grau de aumento da temperatura acima do ótimo para a estação de crescimento, os agricultores podem esperar uma quebra de 10% no rendimento dos grãos. Essa relação foi confirmada durante a onda de calor de 2010 na Rússia, que reduziu a safra de grãos do país em quase 40%.
“Preparem-se, tanto agricultores como chanceleres, para uma nova era em que a escassez mundial de alimentos vai moldar cada vez mais a política global”, alerta Lester Brown, fundador do WWI – Worldwatch Institute. “A civilização pode sobreviver à perda de suas reservas de petróleo, mas não pode sobreviver à perda de suas reservas de solo”. “À medida que a água se torna mais escassa em pontos do planeta, que a temperatura da Terra sobe e a segurança alimentar mundial se deteriora, está surgindo uma geopolítica perigosa de escassez de alimentos”, conclui Brown.
O rio São Francisco, que estende-se por 2.830 km, de Minas até a divisa entre os estados de Alagoas e Sergipe, com 168 afluentes, cortando a Bahia por 1.371 km, é a única alternativa de água para milhares de pessoas que vivem no semiárido nordestino. Na avaliação do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), se não chover até o fim de outubro um trecho de 40 quilômetros do rio, entre a Usina Hidrelétrica de Três Marias e o primeiro afluente, o Rio Abaeté, também poderá secar.
O volume de água potável disponível globalmente para atender às necessidades humanas e dos ecossistemas corresponde a 0,0002% do volume total dos recursos hídricos do planeta. Cerca de 97,5% das águas do planeta, a massa líquida dos oceanos, mares e lagos salgados, são impróprias para consumo humano direto. Apenas os 2,5% restantes compreendem as águas doces. Deste total 68,9% são água das geleiras, neves eternas e sob a forma de gelo nas calotas polares. 29,9% são de água doce alojada no subsolo e 0,9%, de águas salobras dos pântanos e em solos congelados. A água que deixa de correr na nascente do Velho Chico, parte do 0,0002% do total, já está faltando para a sua população, especialmente para a mais carente.”
Referências
1eduathayde@gmail.com
2http://saofranciscovivo.org.br/site/wp-content/uploads/2014/10/Aquecimento-local-e-o-Velho-Chico.pdf
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